sexta-feira, 7 de maio de 2010

Novo Ciclo

Bom, retomando as atividades do blog.
Como em tudo na vida, sinto como se tivesse sido encerrado mais um ciclo. E, aqui, nesse blog, não poderia ser diferente.
Vou ampliar a idéia desse espaço e, ao invés de ser um painel alternativo de notícias, vou passar a expressar diretamente minhas opiniões, pensamentos, sentimentos e afins; que é, na verdade, a proposta essencial de um blog.
Postarei aqui o que sou e o que me interessa.
Política, Tecnologia, Textos, Histórias (e Estórias), Cotidiano, enfim, tudo o que me interessa.
Gostaria de deixar esse blog tão prolixo e generalista, ao mesmo tempo que objetivo e específico.
Enfim, gostaria de deixá-lo como sou.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

OAB defende secretário de Direitos Humanos e desafia torturadores

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) saiu neste domingo (10) em defesa do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, que ameaçou renunciar caso, por pressão dos militares, o governo modifique o Programa Nacional de Direitos Humanos anunciado em dezembro.

O presidente da OAB, Cezar Britto, divulgou um comunicado em defesa do secretário e do Programa de Direitos Humanos que, entre outros assuntos polêmicos, prevê a criação de uma comissão para investigar os crimes cometidos por militares durante a ditadura (1964-1985).

“Quem censurou, deteve sem ordem judicial, suspendeu mandatos e apoiou a ditadura militar (1964/1985) foi anistiado pela Lei da Anistia de 1979, mas quem torturou cometeu um crime de lesa-humanidade e, portanto, tem que ser punido pelo Estado como estabelece a Constituição”, segundo a nota da OAB.

O apoio ao ministro acontece no mesmo dia em que Vannuchi, em entrevista publicada por um jornal de São Paulo, ameaçou renunciar ao cargo se o Programa de Direitos Humanos por modificado para satisfazer os militares. “Minha renúncia não é um problema para o Brasil nem para a República. O que não posso admitir é que transformem o Programa em um monstrengo político único no planeta”, assegurou Vannuchi.

O Programa de Direitos Humanos foi decretado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 21 de dezembro, e desde então recebe críticas a cada dia por setores que desconheciam os diferentes pontos de um plano que abrange vários assuntos. Além dos comandantes das Forças Armadas — que no mês passado ameaçaram renunciar por causa das propostas de Vannuchi —, o programa também recebeu críticas da Igreja, dos agricultores e dos donos dos meios de comunicação.

O programa prevê, além da criação de uma comissão para investigar torturadores durante a ditadura, a legalização do aborto e do casamento homossexual, a fiscalização de estudos com transgênicos, o controle social da imprensa e impedimentos para limitar o despejo de camponeses que ocupam fazendas particulares. De acordo com versões da imprensa, Lula abortou a crise militar com a promessa que revisará o Programa de Direitos Humanos quando retornar à Presidência após suas férias.

Vannuchi admitiu que alguns pontos podem ser revisados, mas rejeitou uma proposta dos militares para que a chamada “Comissão da Verdade” a ser criada para investigar torturadores durante a ditadura seja ampliada para os crimes dos guerrilheiros que combateram o regime militar.

Segundo o secretário, não se pode igualar torturadores e torturados, já que os primeiros atuaram ilegalmente com o respaldo do Estado e os segundos já foram julgados, detidos, desaparecidos ou mortos. De acordo com a OAB, a Lei da Anistia não implica o “esquecimento” do ocorrido durante a ditadura. Por isso, uma “Comissão da Verdade” não significa que o Estado pretenda anular tal Lei.

“Todos os brasileiros têm o direito de saber que um presidente constitucionalmente eleito foi deposto pela força por um golpe militar. Também não se pode esquecer que o Congresso Nacional foi fechado pela força dos tanques, que juízes e magistrados foram afastados de seus cargos, e que havia censura, tortura e castração de todo tipo de liberdade”, segundo o comunicado. “O regime do medo que sustentava o passado não pode servir de desculpa no presente democrático. Um país que tem medo de sua história não pode ser considerado um país sério”, acrescenta.

O presidente do diretório da OAB no Rio de Janeiro, Wadih Damous, também divulgou uma nota na qual sugeriu que, em vez do secretário de Direitos Humanos, quem têm que renunciar são o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica por oporem-se à “Comissão da Verdade”.

Da Redação, com informações da EFE


Fonte: Portal Vermelho (matéria publicada em 10/01/2010)

“Ahmadinejad não ameaça atacar Israel”

Segundo o historiador Juan Cole, que fala persa, idioma da maioria dos iranianos, as declarações do presidente do país asiático são frequentemente manipuladas pela mídia ocidental

Igor Ojeda

da Redação


O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, não prega e nunca pregou a destruição de Israel, ao contrário do que é amplamente difundido pela mídia ocidental. Quem “desmascara” tal versão há anos é o historiador estadunidense Juan Cole, professor da Universidade de Michigan e especialista no mundo islâmico. Além de árabe e urdu (língua falada oficialmente no Paquistão, Afeganistão e Índia), ele fala o persa, o principal idioma do Irã. E traduzindo o persa dos discursos e declarações de Ahmadinejad é que Cole percebeu a má tradução e interpretação feita pela imprensa do Ocidente.


Em entrevista por correio eletrônico ao Brasil de Fato, o historiador explica que, na verdade, o presidente iraniano afirma esperar que o “regime de ocupação” israelense entre em colapso, assim como ocorreu com a União Soviética. “Ele não ameaça atacar Israel, e diz que seria errado matar civis judeus”.


Segundo Cole, mais do que má traduções de suas declarações, o que a mídia ocidental frequentemente faz é manipular o significado de tais afirmações. Como exemplo, ele cita a questão das armas nucleares. Apesar de Ahmadinejad dizer que um arsenal deste tipo é “anti-islâmico”, por matar civis inocentes, a “a mídia ocidental o pinta como um ativo buscador de armas nucleares e como um instigador de guerras”.


Para o historiador, acima de qualquer suspeita por criticar duramente a gestão de Ahmadinejad na presidência do Irã e suas declarações sobre o Holocausto, “ a má tradução [de suas afirmações] é usada como propaganda pelos apoiadores da direita israelense, e eles são influentes o suficiente para manter isso em circulação na mídia”.


A mídia ocidental insiste em noticiar que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, defende a destruição de Israel. No entanto, o senhor diz que, na verdade, suas declarações sobre o assunto são má traduzidas. O que ele realmente diz em relação a esse tema?

Juan Cole – Na realidade, Ahmadinejad diz esperar que o que ele chama de “regime de ocupação” israelense colapse do mesmo modo que aconteceu com a União Soviética. Ele não ameaça atacar Israel, e diz que seria errado matar civis judeus.


Outro ponto polêmico é em relação a sua negação do Holocausto. Ele realmente o nega? O que ele diz sobre isso?

Ahmadinejad é um tipo de negador do Holocausto na medida em que ele subestima o número de judeus assassinados e diz que o assunto precisa de mais “estudos”. Essa posição é execrável. (Ele também declara, ridiculamente, que acadêmicos são proibidos de conduzirem tais estudos). Mas ele continua e diz que, mesmo que o Holocausto de fato tenha acontecido, certamente ele foi obra do governo alemão, e que, por isso, deveria ter sido concedida aos judeus a Bavaria ou alguma outra parte do território alemão, e não a terra natal dos palestinos.


O senhor já percebeu má traduções de outros discursos de Ahmadinejad?

Não acho que o Ahmadinejad seja sistematicamente mal traduzido, mas, frequentemente, o significado de suas declarações não é bem transmitido pela imprensa ocidental. Por exemplo, ele tem repetidamente negado que o Irã possui um programa de armas nucleares e nega que o Irã quer um dispositivo nuclear. Ele diz que tais armas matariam um alto número de civis inocentes e que, portanto, [essas armas] são anti-islâmicas. Mas a mídia ocidental o pinta como um ativo buscador de armas nucleares e como um instigador de guerras. Na realidade, ele não comanda as Forças Armadas iranianas e não poderia começar uma guerra se quisesse, e nem existe qualquer evidência de que queira.


Essas má traduções são erros ou intencionais?

Não acho que a má tradução de sua declaração de que ele esperava que o “regime” israelense colapsasse foi intencional, mas eu acho, sim, que a maneira com a qual os jornalistas se aferram a isso mesmo depois que eu e outros especialistas revelamos a verdade é um sinal de uma maléfica ideologia presente na indústria de notícias e entre políticos.


Como se explica o fato de que esse tipo de má tradução, que pode exercer uma grande influência na geopolítica mundial, é reproduzida por quase toda a mídia ocidental?

Eu acho que a má tradução é usada como propaganda pelos apoiadores da direita israelense, e eles são influentes o suficiente para manter isso em circulação na mídia.


Apesar da retórica polêmica de Ahmadinejad, o senhor acredita que ele e seu programa nuclear realmente representam uma ameaça para Israel?

O Irã não tem um programa de armas nucleares e, por isso, não pode ser uma ameaça para Israel. Para construir uma bomba, o Irã teria que expulsar os inspetores da ONU e aprender como enriquecer urânio a 95% (agora, o país só pode atingir cerca de 4%) sob as condições de um boicote internacional que se seguiria [à expulsão dos inspetores]. A CIA acha que, uma vez começado o programa, ele levaria dez anos para conseguir a bomba. Mas o serviço de inteligência avalia que o Irã, agora, não tem um programa de armas nucleares.


Qual sua opinião sobre Ahmadinejad e sua gestão como presidente do Irã?

Ahmadinejad é a face pública dos linhas-duras da política iraniana, que quer constranger liberdades pessoais. Nesse verão [inverno no hemisfério sul], eles atiraram em manifestantes desarmados e, agora, estão executando jovens dissidentes por crimes de pensamento. Como presidente, ele não é muito poderoso no interior do sistema iraniano, mas dá cobertura para a Guarda Revolucionária do Irã, que está se tornando uma ainda mais brutal ditadura militar.


Alguns especialistas acreditam que, nos últimos anos, a importância geopolítica do Irã no Oriente Médio e na Ásia Central vem aumentando, e que ela é garantida pelo apoio da China e da Rússia. O senhor concorda com isso? Essa seria uma das razões para o fato dos EUA não quererem sair do Afeganistão e tentarem aumentar sua influência também sobre o Paquistão?

O Irã emergiu como uma força geopolítica no Oriente Médio porque a gestão Bush removeu os baathistas [integrantes do Partido Baath, ao qual pertencia Saddam Hussein] no Iraque e o Taleban no Afeganistão, que continham o Irã revolucionário. Não acredito que o apoio da Rússia ao Irã seja muito confiável; o chinês, talvez mais. Não acredito que as movimentações dos EUA no Iraque e no Afeganistão tenham muita conexão com a disputa de Washington com o Irã, embora seja um fator secundário. Ironicamente, na realidade, o Irã e os EUA têm uma aliança tácita contra os extremistas muçulmanos sunitas nos dois países.


Como o senhor analisa a política da gestão Obama para a região?

Obama mudou o tom das relações estadunidenses com o mundo muçulmano, então, isso é mais positivo. Ele iniciou conversações diretas com o Irã, o que é melhor do que simplesmente ignorar Teerã exceto quando é para praguejar contra. Ele está buscando uma solução de dois Estados para Israel e a Palestina. Ele está dedicado a realizar uma retirada do Iraque quando for a hora. E ele começará a tirar as tropas do Afeganistão no verão [inverno] de 2011. No geral, é um admirável conjunto de políticas e pode ser muito bem sucedido para resolver crises e melhorar a reputação dos EUA na região.


Fonte: Brasil de Fato (matéria publicada em 06/01/2010)

EUA já têm 13 bases militares em torno da Venezuela

A Venezuela e sua Revolução Bolivariana estão rodeadas hoje por nada menos do que 13 bases estadunidenses na Colômbia, Panamá, Aruba e Curazao, assim como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota. Em outubro, o presidente conservador do Panamá, Ricardo Martinelli, admite que cedeu aos EUA o uso de quatro novas bases militares. O presidente Barack Obama parece ter deixado o Pentágono de mãos livres neste tema. E o presidente venezuelano Hugo Chávez denuncia que está sendo tramada uma agressão contra o país. O artigo é de Ignacio Ramonet.

A chegada de Hugo Chávez ao poder, na Venezuela, em 2 de fevereiro de 1999, coincidiu com um acontecimento militar traumático para os Estados Unidos: o fechamento de sua principal instalação militar na região, a base Howard, situada no Panamá (fechada em virtude dos Tratados Torrijos-Carter, de 1977).

Em troca, o Pentágono escolheu quatro localidades para controlar a região: Manta, no Equador; Comalapa, em El Salvador, e as ilhas de Aruba e Curazao (de soberania holandesa). A suas – por assim dizer –“tradicionais” missões de espionagem, acrescentou novas atribuições oficiais a estas bases (vigiar o narcotráfico e combater a imigração clandestina para os EUA) e outras tarefas encobertas: lutar contra os insurgentes colombianos; controlar os fluxos de petróleo e minerais, os recursos de água doce e a biodiversidade. Mas, desde o início, seus principais objetivos foram vigiar a Venezuela e desestabilizar a Revolução Bolivariana.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, definiu uma nova doutrina militar para enfrentar o “terrorismo internacional”. Modificou a estratégia de deslocamento no exterior, fundada na existência de enormes bases dotados de numeroso pessoal. E decidiu substituir essas mega-bases por um número mais elevado de Foreing Operating Location (FOL) e de Cooperative Security Locations (CSL), com pouco pessoal militar, mas equipado com tecnologias ultramodernas de detecção.

Resultado: em pouco tempo, a quantidade de instalações militares estadunidenses no estrangeiro de multiplicou, alcançando a insólita soma de 865 bases de tipo FOL ou CSL distribuídas em 46 países. Jamais na história uma potência multiplicou de tal modo seus postos militares de controle para espalhar-se pelo planeta.

Na América Latina, a reorganização de bases permitiu que a de Manta (Equador) colaborasse com o fracassado golpe de Estado de 11 de abril de 2002 contra o presidente Chávez. A partir daí, uma campanha midiática dirigida por Washington começou a difundir falsas informações sobre a suposta presença neste país de céculas de organizações como Hamás, Hezbolá e até Al Qaeda.

Com o pretexto de vigiar tais movimentos e em represália contra o governo de Caracas que, em maio de 2004, pôs fim a meio século de presença militar estadunidense na Venezuela, o Pentágono ampliou o uso de suas bases militares nas ilhas de Aruba e Curazao, situadas muito perto das costas venezuelanas, onde ultimamente tem se incrementado a visita de navios de guerra dos EUA. Esse fato foi recentemente denunciado pelo presidente Chávez:

“É bom que a Europa saiba que o império norte-americano está armando-se até os dentes, enchendo de aviões e navios de guerra as ilhas de Aruba e Curazao. (...) Estou acusando a Holanda de estar preparando, junto com o império yanqui, uma agressão contra a Venezuela” (1).

Em 2006, começa-se a falar em Caracas do “socialismo do século XXI, nasce a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) e Hugo Chávez é reeleito presidente. Washington reage impondo um embargo sobre a venda de armas para a Venezuela, sob o pretexto de que Caracas “não colabora suficientemente na guerra contra o terrorismo”. Os aviões F-16 da Força Aérea Venezuela ficaram sem peças de reposição. Diante desta situação, as autoridades venezuelanas estabeleceram um acordo com a Rússia para dotar a sua força aérea de aviões Sukhoi. Washington denunciou um suposto “rearmamento massivo” da Venezuela, omitindo que os principais orçamentos militares na América Latina, hoje, são os do Brasil, da Colômbia e do Chile. E que, a cada ano, a Colômbia recebe uma ajuda militar estadunidense de 630 milhões de dólares.

A partir daí, os acontecimentos se aceleram. No dia 1° de março de 2008, apoiadas pela base de Manta, as forças colombianas atacam um acampamento das Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC), situado no interior do território do Equador. Quito, em represália, decide não renovar o acordo sobre a base de Manta, que vencia em novembro de 2009. Washington respondeu, no mês seguinte, com a reativação da IV Frota (desativada em 1948, há 60 anos...) cuja missão é vigiar a costa atlântica da América do Sul. Um mês mais tarde, os Estados sulamericanos, reunidos em Brasília, replicam criando a União de Nações Sulamericanas (UNASUL) e, em março de 2009, o Conselho de Defesa Sulamericano.

Algumas semanas depois, o embaixador do EUA em Bogotá anuncia que a base de Manta seria transferida para Palanquero, na Colômbia.

Em junho, com o apoio da base estadunidense de Soto Cano, se produz o golpe de Estado em Honduras contra o presidente Manuel Zelaya que havia conseguido integrar seu país na ALBA. Em agosto, o pentágono anuncia que terá sete novas bases militares na Colômbia. E, em outubro, o presidente conservador do Panamá, Ricardo Martinelli, admite que cedeu aos EUA o uso de quatro novas bases militares.

Deste modo, a Venezuela e a Revolução Bolivariana se vêem hoje rodeadas por nada menos do que 13 bases estadunidenses na Colômbia, Panamá, Aruba e Curazao, assim como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota. O presidente Obama parece ter deixado o Pentágono de mãos livres neste tema. Tudo anuncia uma agressão iminente. Os povos da América Latina consentirão que um novo crime contra a democracia seja cometido na região?

(1) Discurso no Encontro da ALBA com movimentos sociais da Dinamarca, em Copenhague, dia 17 de dezembro de 2009

Ignacio Ramonet é jornalista, foi diretor do Le Monde Diplomatique entre 1990 e 2008.

Tradução: Katarina Peixoto


Fonte: Agência Carta Maior (matéria publicada em 11/01/2010)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Latuff: faça antes um check list

Com todo esse burburinho sobre a revisão da Lei de Anistia prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, um discurso tem sido frequente.

Que se deva apurar os crimes cometidos de ambos os lados durante o regime militar, tanto dos militantes de esquerda quanto das forças de repressão.

O que a primeira vista pode parecer uma posição de aparente equilíbrio, traz na verdade um conceito reacionário, de que a resistência armada a um regime de exceção seja vista como crime (criminalização).

Não nos esqueçamos de que os militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura militar no Brasil já tiveram punição suficiente. Foram presos, cassados, implacavelmente torturados, executados, desaparecidos. Já seus carrascos, sem nenhum arranhão, escaparam tranquilos da Justiça, indo se refugiar nos braços da Lei de Anistia, inclusive reverenciados pelos seus atuais colegas de farda nos clubes militares da vida.

Levar ao banco dos réus ex-militantes que pegaram em armas para enfrentar fascistas no Brasil seria tão absurdo quanto julgar os partisans pelos atentados cometidos contra militares alemães durante a ocupação da França na Segunda Guerra Mundial. É confundir, maliciosamente, vítimas com algozes…mais uma vez.

Por isso, meus caros internautas, eu lhes trago este checklist, para que possam imprimir em papel cartão, num tamanho que caiba no bolso ou dentro da carteira. Quando o assunto for revisão da Lei de Anistia e alguém lhe disser que “ambos os lados devam ser punidos”, mostre essa charge, só como um lembrete de mais essa verdade inconveniente.

Carlos Latuff: check-list anistia


Fonte: Maria Frô (publicado no dia 11/01/2010)

sábado, 9 de janeiro de 2010

Entrevista: Plínio Arruda Sampaio

“O Psol é um partido socialista e a Marina não é socialista”

Por Hamilton Octavio de Souza e Tatiana Merlino
A partir deste mês, a Caros Amigos inicia um debate sobre o que está em jogo nas eleições presidenciais de 2010. Entrevistas, análises e artigos discutirão as propostas e programas das candidaturas do campo democrático e popular. A primeira entrevista da série “Eleições 2010” é com o advogado e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Plínio Arruda Sampaio, pré-candidato à presidência da República pelo Psol.
O partido está dividido em relação à candidatura ao principal posto do Executivo. Parte do Psol defende a candidatura própria e apoia o nome de Plínio. Outra é favorável a uma aliança com o PV em torno da candidatura da senadora Marina Silva (PV-AC). A aproximação do PSOL com o PV aconteceu porque a ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) descartou a possibilidade de concorrer às eleições presidenciais para tentar voltar ao Senado.
Caros Amigos - Qual a importância do Psol se lançar com uma candidatura própria?
Plínio Arruda Sampaio - A importância está estreitamente relacionada com o objetivo da burguesia em relação a esse processo eleitoral. Há um script montado para essa campanha, para fazê-la de uma maneira suave, morna, fazer da discussão apenas uma coisa técnica e fugir dos verdadeiros problemas e das verdadeiras soluções. Há um processo de distorção do processo eleitoral para que ele não debata nada. E é fundamental desfazer essa farsa, é fundamental que exista uma voz capaz de dizer: “olha, isto aí foge da realidade, não é uma visão real do que está acontecendo no Brasil”. Qual é a dificuldade e a necessidade disso? É que toda a realidade social tem dois planos. Um plano é o da superfície dos eventos, onde estão acontecendo as coisas. E há um plano embaixo, onde estão os processos, as tendências. Esse não se vê sem instrumentos de análise. Em cima, na superfície, as coisas melhoraram para o homem simples do povo porque o Lula é menos perverso do que o Fernando Henrique, ele tira menos dos pobres. E porque a conjuntura externa favorece a entrada de capitais aqui. Então, como há uma entrada enorme de capitais, pode se remunerar a burguesia com tudo que ela quer, e sobrar umas migalhas para soltar para o povo. As Casas Bahia estão vendendo, tem lan house em tudo quanto é lugar da periferia, o pobre está começando a ter automóvel porque há uma produção brutal da indústria automobilística e os usados caem na mão dos mais pobres por um preço razoável. Mas o ritmo da melhoria é tão lento que não sei quando vamos deixar de ter pobre na rua. E, dados os processos que acontecem embaixo, provavelmente essa melhoria acaba logo adiante. O primeiro problema econômico que tiver, essa melhoria vai para o buraco.
O que está acontecendo embaixo é grave, porque o preço dessa aparente abonança superficial é a entrega do país, o aprofundamento de processos gravíssimos, como a educação, que está sucateada, a escola que não ensina, a saúde está uma desgraça. O quadro social está ficando impossível. Há zonas do Rio de Janeiro em que não há mais soberania do Estado brasileiro, é o bandido que manda lá. Na periferia daqui de São Paulo é a mesma coisa. Há um processo perverso embaixo, que afeta a moral do povo, essa ideia de que não tem solução. É preciso que isso venha à tona. A campanha é exatamente para isso, para denunciar essa farsa e propor soluções reais. Essa é uma campanha socialista na medida em que aponta as soluções reais, com um programa anti-capitalista. São questões que geram indagações sobre a viabilidade do capitalismo e colocam concretamente a questão do socialismo.
E quais seriam as consequências para o partido caso o Psol apoiasse a Marina Silva?
Seria a negação do Psol, porque esse é um partido socialista e a Marina não é socialista. O PV é um partido do governo. A Marina cria uma dificuldade enorme de palanque para a nossa gente. Como é que você sobe num palanque junto com um cidadão que apoia um governo que nós combatemos dia e noite? O problema da Marina é o seguinte: ela levantou uma questão muito importante, tornou-se um símbolo disso, mas ela perdeu o timing da demissão. O político precisa saber assumir um cargo e se demitir desse cargo. Ela demorou demais e teve que engolir coisas que não são aceitáveis: ela assinou o decreto dos transgênicos, assinou o decreto que libera as florestas, ela foi contra o Dom Cappio, ela apoia a transposição do São Francisco. A contrariedade à transposição do rio São Francisco é ponto do nosso programa. Como é que nós podemos ter uma candidata que tem pontos contrários ao nosso programa? Por isso há uma reação muito forte na base do partido contra a candidatura Marina. E nessas alturas, dificilmente ela passará.
E por que o senhor é o nome ideal para candidato do partido?
Não sou eu quem acha, acharam. Vários grupos vieram me procurar, sobretudo por algumas características: eu tenho uma linha de coerência há muito tempo sobre essas coisas todas. Segundo, eu tenho uma possibilidade de unidade da esquerda muito grande porque tenho um diálogo muito bom com as outras forças socialistas. Aí eu fui procurado por pessoas do Psol e autorizei a usar o meu nome. Eu tenho uma história em todos esses campos, como na reforma agrária. Eu posso, tenho condições objetivas para fazer essa campanha de denúncia da farsa e de proposição do avanço. É uma campanha para o futuro. Não é uma campanha saudosista nem moralista. É uma campanha ideológica no sentido bom da palavra, de que ela se funda em valores do socialismo, mas é concreta para colocar os problemas e as soluções de hoje. Por exemplo, o nosso programa diz “reforma agrária anti-latifundiária”. É uma formulação genérica. O que eu penso que deveríamos fazer na nossa campanha é pegar essa formulação genérica e ir falar com o MST. “Como é que vocês estão vendo a questão agrária, e qual é a solução que vocês vêm?”. São várias, tem que melhorar o crédito, aumentar o programa de compras antecipadas, melhorar assistência técnica e dar uma forte radicalizada, o movimento social, não nós. O MST junto com a CNBB e vários movimentos do campo estão fazendo uma campanha para que ninguém possa ter mais do que 1500 hectares de terra no Brasil. Isso é revolucionário, mas não tem nada de socialista, isso é capitalismo. Só que é anti-capitalista no sentido de que o capitalismo não suporta isso. Esse é o tipo de trabalho que temos que fazer para apresentar o programa do partido.
Como tem sido o apoio interno dentro do Psol à sua pré-candidatura?
O Psol tem umas três correntes majoritárias que são muito fortes e uma série de outras correntes pequenas. As menores praticamente estão todas comigo, e as maiores estão divididas. As cúpulas favorecem uma candidatura mais ampla e as bases querem uma candidatura mais nítida. Então, nesse momento, o grande problema é discutir qual é a tática. Acho até que eles tem certa razão, sem dúvida o partido precisa eleger deputados para que o povo tenha uma voz no Congresso e para ter um mínimo de representação institucional necessária para existir. É legítima a preocupação, mas é equivocada no seguinte sentido: este é um valor, mas há outro valor, que é a imagem do partido. Que é a esperança que o partido traz. Se ele se coliga com figuras que o povo está rejeitando, vão perguntar: “mas então, que partido é esse?”. Eu acho que esse é o primeiro equívoco. O segundo é: esta ideia de que uma campanha mais nítida não traz votos é equivocada. Você pode ter uma campanha nítida e eleger representantes, e essa é uma das minhas preocupações. Eu organizarei a a campanha não só para dar esse recado maior, mais amplo, mas também para favorecer a eleição de deputados, mas sem abrir mão da nitidez da imagem do partido, da nitidez do programa.
Se o Psol se diluir agora não haverá nenhuma força socialista na disputa?
Nada, além do que isso provocará uma dispersão da esquerda e aí três candidatinhos com muito pouco voto não resolvem nada.
Quais seriam as alianças que estariam dentro desse campo e que permitiriam uma disputa sem essa perda de imagem?
Esse é um ponto a favor da minha pré candidatura. É a unidade das esquerdas. Se eu for candidato, é quase certo que marcharemos unidos os três, Psol, PCB e PSTU. Eles já lançaram candidatos, mas isso é normal e também não é uma coisa final. Uma vez acertada a minha candidatura, vamos fazer a unidade da esquerda. Se dirá que os três são fracos, mas dispersos são mais fracos, e juntos têm uma certa sinergia. E depois tem os movimentos populares, que também estão divididos. A divisão é um traço da época, que é de incerteza muito forte. Todo mundo está inseguro, o pobre, a classe média e o rico. Na era de incerteza é normal que um grupo vá para cá e o outro vá para lá...É normal que MST, CPT, MAB, MPA estejam divididos. Mas eu tenho a impressão que se tivermos uma candidatura unitária da esquerda, no primeiro turno esse grupo estará fechado conosco. No segundo turno, provavelmente tomarão posições eventualmente distintas. Isso se não formos para o segundo turno, o que é bem provável.
O discurso do PT dessa ampla frente que está no governo é o da luta contra o retrocesso, representado pelo PSDB, pelo DEM, o grupo que já esteve no governo e já demonstrou ser pior do que esse. Como entrar no contraponto desse discurso, que é muito forte?
É o discurso do mau menor, que é um discurso circular. Você não vai adiante de jeito nenhum com esse discurso, apenas reduz a perda, coisa que também tem um fundamento sociológico profundo. Toda vez que uma nação sofre um golpe muito grande, para a geração seguinte é terrível. Na primeira guerra na França, a geração que se seguiu não tinha filhos. Ela se fechou, não procriava de medo do filho ir para a guerra. A geração espanhola que viveu a guerra da Espanha, enquanto o Franco não morria, morria de medo, não fazia nada. É preciso apontar um futuro, trazer ânimo. Por isso que a campanha nítida é importante. Ela é uma campanha que pode ser feita com vistas a uma afirmação muito forte de coragem, coerência e de apontar um futuro mesmo, dizer: “não fiquem com essa coisinha de reduzir o prejuízo. Pensa grande, vai para a frente”. É uma campanha que pode atingir muito a juventude, pela sua própria idade, configuração, ela vê o futuro. Essa é a estratégia que eu pretendo usar se for candidato.
E quais seriam as principais diferenças da política programática do Psol com uma candidatura única e do Psol apoiando a Marina?
Como é que nós vamos falar no transgênico, como é que vamos falar na transposição? Ela assinou tudo. Tudo que nós contestamos ela assinou. Então é uma dificuldade enorme e por isso que a base do partido está dizendo “não, isso não é possível”. Somos um partido socialista. A base do partido quer a afirmação do nosso projeto. E essa seria uma campanha de um outro projeto, que não é o nosso.
Como o senhor avalia o Psol hoje, depois de sete anos de existência?
O Psol é uma força. Há no país uma porcentagem relativamente pequena de pessoas que não aceitam o que está acontecendo, com valores distintos, mas de maneira geral, com valores sociais, coletivos, visão de nação, de coesão nacional. Em várias camadas sociais. Esse pessoal é naturalmente Psol. Porque os outros dois partidos à esquerda tem uma penetração, mas uma forma de atuar muito mais estrita, de modo que caminham mais lentamente. O Psol é um pouco o desaguadouro, naturalmente. Mas o Psol precisa –e essa campanha é importantíssima para isso – nuclear e organizar esses setores dispersos para começar uma caminhada. Ninguém tem grandes ilusões de que nós temos condições de muito sucesso a curto prazo. Isso é uma ilusão. A derrota sofrida pelo povo foi imensa. Nós estamos juntando os cacos para recomeçar.
Um apoio à candidatura da Marina, que está num partido que não é de esquerda não seria uma derrota para um partido que se afirma socialista?
É isso que eu estou dizendo para o pessoal. Isso não é uma avanço, é uma acomodação. E o partido socialista não se acomoda. A característica do socialista é a não acomodação a qualquer coisa.
É pegar o ônibus errado...
Exatamente, vai para outro bairro. A ideia é essa, fundamentalmente. Chegar, ouvir os movimentos populares, fazer um programa sólido, é um programa ainda com base na sociedade de produção de mercadorias, porém esticando essa realidade e criando uma dinâmica de transformação social.
Qual é o seu calendário para os próximos meses?
Eu vou correr o país, é uma pré candidatura. O país todo está me chamando para fazer reuniões, pequenos núcleos que nós temos. Segundo, estou montando um forte esquema de internet porque nessa campanha a Internet vai dar um grande passo.

Fonte: Caros Amigos

Periferia de São Paulo sofre com ação criminosa

Para apressar a remoção de milhares de famílias da região, Estado pode ter cometido crime contra a humanidade.

Eduardo Sales de Lima

da Reportagem


Em menos de duas horas o “barraco” de Maria Auxiliadora estava debaixo d'água. Os remédios de seu marido estragavam dentro do quarto alagado. Do lado de fora, desespero. Crianças se afogando e mães gritando por socorro. Em apenas 24 horas, no dia 8, caiu sobre São Paulo (SP) o maior volume de água registrado desde 1999, 77,4 mm (cada milímetro equivale a um litro de água por metro quadrado).


“Ouvi mães gritando por socorro, aí eu caí para dentro da água. O que deu para salvar nós salvamos. Mas teve família que perdeu tudo, como mantimentos, geladeira, televisão. Isso na minha rua que é um local mais alto. E logo imaginei que na baixada estaria pior. Chegando lá a água estava dando quase no pescoço”, relata o líder comunitário da Chácara Três Meninas, Cristovão de Oliveira, que mora há mais de trinta anos na região.


Nas margens do rio Tietê, a natureza era mais feroz. Na “baixada”, como disse Cristovão, as casas não-terminadas de alvenaria e os barracos de madeiras beiram o rio. É lá que vive Maria Auxiliadora. A chuva que caiu sobre a casa dela também estava presente em diversas áreas da cidade São Paulo. Mas ela é pobre, vive na Chácara Três Meninas, periferia da capital paulista, numa região de várzea do rio Tietê; uma ocupação irregular. Péssima combinação.


Como a água subiu “até o pescoço” no seu barraco, Maria, seu marido, sua filha e seus seis netos foram obrigados a se alojar numa escola. Dois dias depois retornaram para casa. Das seis famílias que sobreviviam no pequeno terreno de 2 metros de largura por 8 de comprimento, cinco abandonaram o local. “Só fiquei eu, meu marido, minha filha e meus netos”, conta Maria Auxiliadora.


Crime

Tudo isso ocorreu por causa da “natureza”, mas humana e criminosa. O conjunto de informações indica um ato contra a vida. Crianças morreram, famílias foram desalojadas, doenças (sobretudo leptospirose) foram disseminadas; tudo isso aconteceu por uma opção. As seis comportas da barragem da Penha, reservatório de água próximo da região, foram completamente fechadas naquele 8 de dezembro. Somente dois dias depois, todas as comportas foram abertas. O próprio engenheiro responsável pela barragem da Penha afirmou à repórter Fabiana Uchinaka, do portal Uol Notícias, que optou-se por alagar esses bairros da zona leste ao invés da marginal. A barragem da Penha funciona sob a direção da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), estatal paulista. Ele disse que, se não tivesse fechado as comportas, teria alagado as marginais e toda a cidade de São Paulo.


O engenheiro explicou à repórter que cada barragem em São Paulo, das quais perfilam a Móvel, a da Penha, a de Mogi das Cruzes e a de Ponte Nova, é responsável apenas por administrar o fluxo de água do local e não sabe o que acontece nos outros pontos. Ele acredita que as comportas foram abertas nas barragens de cima, em Mogi, e isso foi preponderante no alagamento da região da zona leste. A área que mais sofreu com o alagamento fica justamente entre a barragem de Mogi das Cruzes, que liberou suas águas; e da Penha, que as conteve.


Parque “Afogados”

inundação_jardim romanoFormou-se um imenso piscinão natural. O alagamento reforçaria a ideia de que aquela população é "invasora" de área de várzea e deveria ser despejada para que não impeçam a construção do Parque Linear da Várzea do Rio Tietê. Projeto do governador José Serra (PSDB) orçado em R$ 1,7 bilhão e que deve ser inaugurado até a Copa de 2014.


Segundo um técnico, ex-funcionário da Sabesp que preferiu o anonimato, nos períodos de intensas cheias, existe a condição de reverter as cheias do Pinheiros e Tietê para a represa Billings. “Existe uma caixa preta muito grande nessa história toda, essas informações não são transparentes, não dá para saber se houve uma opção de classe”, afirma.


Essa região da zona leste que engloba vilas como Pantanal e Chácara Três Meninas ficou, mesmo após o fim das chuvas, debaixo d'água por doze dias. “Não tinha policiamento, bombeiros; pessoas estavam saqueando as escolas. Nenhuma bomba foi lá para drenar”, relata o deputado estadual Raul Marcelo (Psol), que visitou, no dia 17, o Jardim do Pantanal, uma das localidades mais atingidas pelo alagamento.


“Eu não estou fazendo uma relação, estou fazendo uma afirmação: tem tudo a ver”, destaca o parlamentar, relacionando a construção do parque com a remoção de cerca de 10 mil famílias por meio da engenharia hidráulica e social. “O lugar da remoção é justamente ali, no Pantanal”, conclui. Para ele, o parque linear é importante, mas é necessário dar condições para que as famílias saiam de forma digna. “Com R$ 5 mil eles vão comprar no máximo madeiras para construir outro barraco”, ironiza Marcelo, se referindo ao valor do cheque-despejo oferecido pela prefeitura paulistana.


Um pouco mais reticente, outro deputado estadual que visitou a região, Adriano Diogo (PT), observa que aquele local “era exatamente a região que eles queriam despejar”. “Não dá para afirmar que tem uma intencionalidade, não tem uma prova cabal, mas é uma estranha coincidência”, afirma.


“Por que que ele [Serra] não lançou um projeto de habitação primeiro. Ele quis fazer sua propaganda para ser presidente da república e acabou ferrando o povo. Ele sabia que fechando a comporta da Penha e abrindo a comporta de Mogi das Cruzes, ele mudaria essa bacia”, critica o líder comunitário Cristovão de Oliveira.


“Todo mundo é a favor do parque, só que tem que pensar na habitação. Isso foi um ato criminoso. O poder público, a defensoria pública e o Ministério Público deveriam responsabilizar o governo por todas as perdas de vidas que tivemos nesses locais. Houve duas mortes de crianças por afogamento no Jardim Romano [onde fica o Jardim Pantanal]”, afirma Cristovão.


Esgoto

Para além das perdas materiais, Maria Auxiliadora se diz preocupada com os netos, repletos de feridas pelo corpo. “O médico falou que era água da chuva; estão tomando antibiótico”, conta.


Coisas de natureza incompetente. A estação de tratamento de esgoto de São Miguel Paulista também foi construído numa área de várzea, sem nenhum tipo de proteção. A água subiu, entrou na estação e ela deixou de funcionar. Por consequência, o esgoto foi jogado no rio e, como a barragem estava fechava, foi lançado diretamente nas comunidades da várzea. “A água que alagou o Jardim Pantanal teve duas vezes mais coliformes fecais que o próprio rio Tietê”, lembra Raul Marcelo. No dia 17, a estação foi reativada.


De acordo com o ex-funcionário da Sabesp, isso também é culpa de uma estagnação na infra-estrutura de saneamento.“Há um atraso estrutural no sistema de coleta e tratamento de esgoto e as instituições técnicas da área não têm uma sistemática de controle, de regulação, com controle dos problemas, das falhas”, diz.


Os deputados que visitaram as regiões alagadas da zona leste da cidade pretendem denunciar o caso, junto com a situação da estação de tratamento de esgoto, aos Ministérios Públicos Estadual e Federal.


Fonte: Brasil de Fato (matéria publicada em 06/01/2010)